AnnouncementJul. 14, 2022
Furrystation Growth

(PT) Brothers in Arms

IRMÃOS DE ARMAS

 



Há apenas duas coisas que fazem homens arriscarem suas próprias vidas: O medo de perder tudo, ou o pesar de ter perdido tudo.

Nos tempos sombrios de 1796 D.C., é infelizmente comum ver pessoas passando todas as suas existências apenas focados em ‘sobreviver’: Sobreviver à morte, doença, pobreza, ou até mesmo a vida em si, cheia de desafios e testes. Incontáveis vilarejos espalhados pelo país inevitavelmente acabam sendo esquecidos e abandonados pelos seus senhores graças aos eternos ataques de monstros, todos eles liderados por um ser cuja ascensão tem sido perdida nas páginas nos tempos e banhadas em sangue e miséria.

Drácula.

Três anos atrás, Richter Belmont, descendente da gloriosa linhagem de caçadores de vampiros, assassinou Conde Drácula e seus servos arriscando sua própria vida no processo. Enquanto as novidades espalharam por todos os cantos da região, a humanidade lentamente começou seu alegre e doloroso processo de reconstruir suas vidas, alvejando alcançar aquele longínquo sonho de sair do ‘sobreviver’ e reentrar em ‘viver’.

Infelizmente, a queda do Rei Vampiro não foi o fim; seus monstros e aberrações agora vagueiam sem rumo de vilarejo em vilarejo, sem qualquer objetivo ou direção além de saciar suas necessidades de morte e corrupção. Essas abominações e emissários da morte não são apenas os tão chamados monstros: entre a própria humanidade havia aqueles de corações negros, esquematizando e manipulando por qualquer oportunidade de poder e riqueza em benefício próprio ou trilhando um caminho de destruição e dor.

Mas ainda assim, havia aqueles que acharam todos os tipos de pequenos trabalhos que conseguiam neste novo mundo em que foram deixados, como dois irmãos abençoados que iremos conhecer agora...

“CINCO MIL MOEDAS?!” O urro enfurecido ecoou através do vilarejo ‘em crescimento’ de Azarahelm, vindo do escritório do chefe em sua luxuosa casa à pedra de dois andares. Contudo, a única coisa em crescimento naquela vila era o constante fluxo de novos impostos do chefe, deixando as casas remanescentes com pouco mais do que telhados de palha e paredes de barro.

“Eu poderia pagar o próprio Belmont para lamber as minhas botas, com esse dinheiro!” Exclamou o líder do vilarejo, um morsa bastante obeso até mesmo para os padrões de um colega de raça bem-alimentado. Sua elegante camisa branca de babados estava bem marcada com uma coleção de manchas de gordura e óleo, algumas recentemente adicionadas das sobras voando da boca com cada palavra irada. Para qualquer pessoa normal, ele também teria manchado sua espaçosa e firma mesa de carvalho negro, uma bagunça de papéis deixados do lado para dar espaço à seu prato prateado com frango assado e batatas, mas a incrível barriga do morsa era capaz de manter sua (surpreendentemente) firme cadeira de couro distante o bastante do seu alcance de cuspe.

“Provavelmente, isso é, se ele estivesse disponível e não ocupado derrubando o castelo de Drácula.” Respondeu o alto lobo sentando à frente do chefe do vilarejo, tentando o seu melhor para esconder um misto de riso com desgosto ao olhar o tão imponente chefe. “Mas infelizmente para você, nós somos a sua última opção.”

“Hah! Você fala bonito demais para um pedinte, garoto!” Ele apontou um osso de galinha oleoso para o lobo, o sacudindo e derrubando pedaços de comida sobre os papéis dele. “Olhe para você e seu irmão! Roupas simples de algodão, duas mochilas ridículas, um punhado de água de poço nessas falsas ampolas sagradas, um patético arco com nenhuma aljava à vista, e essa sua estranha lança que provavelmente roubou do último vilarejo que estiveram, já que é praticamente a única arma de verdade que vejo!”

O lobo de barba castanha simplesmente virou a cabeça dele e olhou sobre o ombro para o irmão, de pé perto do batente da porta com os braços cruzados e as costas recostando contra a parede de pedra.

O chefe do vilarejo claramente não sabia nada sobre eles ou como eles trabalhavam então ele não iria entender que o irmão, um atlético e esguio híbrido lobo-raposa branco de estatura média (mas menor que seu irmão lobo) com uma máscara azul natural sobre os olhos. Apesar da diferença de porte físico e altura, os irmãos se vestiam quase iguais, preferindo vestes leves e de certa forma folgadas para mobilidade e agilidade, deixando eles livres para melhor uso de suas habilidades e itens únicos.

O irmão dele, Amal, sempre preferiu deixar as negociações com ele, então quando o lobo olhou para ele caso quisesse adicionar algo, tudo que ganhou foi um virar dos olhos âmbar e um erguer dos ombros.

Como sempre, essa parte do trabalho era deixada para ele, então ele se voltou para o olhar desafiante do morsa e sorriu abertamente. “Bem, senhor, então me permita explicar a sua situação e suas opções.”

“Você está desesperadamente pedindo para qualquer pessoa ou coisa para simplesmente limpar o vilarejo vizinho que, até aonde seus soldados burros e covardes reportaram, está cheio de ghouls, o que significa nada já que eles não só ficaram a uma milha do vilarejo, mas também porque eles mal saberiam a diferença entre um zumbi, um ghoul e a mãe deles. Portanto, sem informação decente, podemos apenas esperar que coisas piores não estivessem escondidas sob os escombros, como demônios ou bestas.”

Os quatro soldados, machos que eram tão covardes quanto grandes e desengonçados, com espadas e lanças de baixa qualidade ao ponto de parecerem cabos de vassouras com pedaços pontudos de metal, se estremeceram pela precisão das palavras do lobo sobre o relatório deles. O chefe deles arregalou os olhos e tentou abrir a boca para argumentar de volta, mas o lobo rapidamente o interrompeu com um tom mais alto de voz.

“CONTINUANDO! Enquanto que você pateticamente tenta justificar sua oferta como uma medida de segurança contra o inevitável dia em que os monstros virão a este lugar, até mesmo forasteiros como nós podem ver que seu verdadeiro propósito é simplesmente saquear as ruínas até a última moeda de ouro e pegar o terreno para si. Se, por qualquer motivo, os ghouls marchem para cá antes disso, você irá certamente fugir com todo o ouro que conseguir esconder sob as suas camadas de banha, enquanto o seu povo é usado de isca para atrasá-los. O que, eu devo te avisar, não será muito eficiente, visto como você conseguiu privar eles de comida a tal ponto que um ghoul terá sorte de achar carne num corpo o bastante para durar cinco minutos.

Ambos os irmãos tombaram suas cabeças em curiosidade por alguns segundos enquanto o morsa, tentando achar palavras para rebater tamanhas acusações ferozes, abria e fechava a boca constantemente. Eles não conseguiam decidir o que era mais barulhento: A larga boca fechando com o bater molhado de cuspe e comida, ou seus múltiplos queixos espalmando entre si quando ele a abria.

Acordando do seu transe, o lobo lentamente repousou suas largas paras sobre a mesa e ignorou o som de papel arranhando sob suas garras ao se debruçar e travar seus olhos marrons escuro com os do chefe, que desviou o olhar por um instante ao notar as linhas de pelo azul, uma em cada bochecha, de certa forma combinando com as do irmão, mesmo com o cabelo castanho escuro e barba cercando o maxilar.

“Finalmente, você tem apenas a nós para aceitar o trabalho que estamos cobrando um valor que você certamente tem e muito mais, porque você sabe que seus próprios soldados não fariam muito melhor do que aqueles que morreram defendendo os inocentes. E se você de fato fizer isso, você finalmente ficará indefeso, e a população deste vilarejo não iria pensar duas vezes antes de invadir e pegar o que é deles por direito, junto com sua cabeça numa estaca. Na verdade, você nem pode ordenar seus soldados a nos seguir e pegar o dinheiro de volta depois do trabalho, ou até mesmo nos caçar caso a gente fuja com a parcela adiantada.”

O morsa ficou silencioso por alguns segundos, absorvendo a ideia. O lobo se ergueu e cruzou os braços, deixando sua camisa de algodão azul escuro apertar os músculos dos braços que não estavam escondidos sob o seu manto curto da mesma cor, adornado com linhas e símbolos azul claro pela borda. “Ou você recusa nossa oferta e fica aqui esperando pelo seu cavaleiro de armadura brilhante em promoção, ou aceita nossa generosa oferta de “Metade agora, metade depois” e reza para cobrir seu gasto conosco com algumas coisas que acabe achando quando reconstruir aquele vilarejo”.

Toda a reação que o lupino recebeu foi um lento, mas crescente tom vermelho de fúria emergindo da face do outro, e depois de alguns segundos, ele começou a resmungar uma dúzia de palavrões e xingamentos irreconhecíveis enquanto abria e fechava gavetas até que cinco sacos caiam pesadamente sobre os papéis dele seguido de um maravilhoso som de moedas tintinando de dentro deles. “CERTO!” Foi a primeira palavra entendível dele, seguida de “Pega esta porra de dinheiro e VAI TRABALHAR!”

“Sabíamos que você era o chefe deste lugar por um motivo.” O lobo deu o seu melhor sorriso cortês enquanto enchia a mochila dele com as sacolas, garantindo que elas não fizessem muito barulho enquanto andassem. Os aldeões não iriam ver aquilo com bons olhos, independente de quem eles fossem. “Nós lhe asseguramos reportar em dois dias, se estivermos vivos até lá.” 

As palavras de despedida formal foram respondidas com um grunhido e os mandando embora com um gesto da pata palmada. Sem palavras para adicionar, os irmãos pegaram suas coisas e partiram sem escolta.

“Eu falei que isso ia funcionar.” O lobo disse ao irmão depois de alguns passos afora da porta do líder, se dirigindo para a rua principal em busca de alguma comida antes de partirem para o vilarejo alvo. “Foi bem chato conferir a trilha dos soldados, mesmo, mas valeu a pena. Você viu os quão assustados eles ficaram?”

Amal ergueu os ombros em resposta, olhando afrente com uma pata segurando a alça de sua mochila, enquanto a outra se mantinha firmemente fechada ao redor de seu arco. “Ou eles poderiam simplesmente nos acusar de bruxaria e tentar nos queimar vivo. Yan, você não poderia simplesmente oferecer nossa ajuda sem fazer todo aquele teatro?”

Yan, sorrindo ao ouvir o comentário, parou por alguns segundos para pegar uma moeda de ouro de sua pequena bolsa de couro pendurada em seu cinto de couro e jogou para um rato mendigo sentado do lado de uma parede de barro, uma das muitas almas desafortunadas vivendo no vilarejo. “Eu poderia, mas nós precisamos os impressionar o máximo que podemos, para que eles falem bem de nós. Você realmente acha que eles aceitariam nosso preço se fôssemos um par de anônimos? Eles ouviram falar do nosso último trabalho. Até mesmo as menores boas ações vão valer muito, a longo termo.”

“Tipo quando você dividiu aquele demônio menor ao meio, mês passado? Um pouco do sangue negro dele espirrou na sua ferida, e você só me deixou cuidar dela no dia seguinte, na floresta. Você já estava com febre, mas não, você tem que agir grande para impressionar.” Ama reclamou enquanto faziam a curva para a rua principal, a qual não estava muito melhor que o resto do vilarejo, apenas adornada com uma dúzia de vendedores tentando vender qualquer coisa que possuíam, de roupas a comidas, e também um punhado de sem teto que, pelo que parecia, não estavam numa situação muito melhor ou pior do que os vendedores.

“Você não é a coisa mais fofa quando se preo-ei!” Disse Yan, sentindo a bolsa de moedas dele sendo puxadas da pata dele pelo irmão, que apontou para a floresta. “Tá bom, tá bom, apenas continue em frente e apronte o acampamento, eu vou comprar as coisas para o jantar.”

E antes que Yan pudesse protestar, Amal seguiu em frente assim como o irmão fez na negociação, “E não se esqueça de que da última vez que você comprou comida, você confundiu maçãs verdes com maçãs imaturas e as cozinhou ainda assim. Ficou horrível.” E sem esperar pela resposta o híbrido seguiu em frente, indo para o primeiro vendedor, que já tentava empurrar o melhor abacate dele para o híbrido.

E depois desse dia, se tornou função de Amal escolher as coisas que eles podiam comer e cozinhar. Resmungando, Yan ergueu os ombros assim como o irmão e andou até o ponto na floresta entre os vilarejos, aonde acamparam depois de investigarem o próximo alvo deles antes mesmo de falar com o chefe do vilarejo. Planejar negociações futuras já se provou funcionar melhor do que o esperado.

A dinâmica entre os dois sempre foi assim: Amal sendo o calmo, cuidadoso e detalhista, enquanto que Yan era instintivo, destemido e jogando com os riscos. Talvez fosse irônico o fato de que Yan era o mais velho só por alguns anos, visto que Amal geralmente fazia o papel de irmão mais velho. As coisas eram assim desde quando eles decidiram se tornar caçadores de monstros juntos.

Não que eles tivessem muitas opções.

Eles finalmente voltaram a se ver apenas perto do pôr-do-sol, a luz escarlate colorindo cada folha verde da floresta, ainda se rejubilando dos últimos dias de primavera que tinham, enquanto que ao leste, uma clara noite estrelada de verão estava para se erguer. O acampamento já estava pronto, a fogueira usada ontem já queimava com galhos secos recém-achados e Yan estava sentado com as costas em sua mochila usada como almofada entre ele e uma alta arvore, pela hora que Amal chegou, com o arco dele ao redor do peito dele enquanto ambas as patas estavam carregando uma cesta velha com comida e ambos os ombros carregavam tiras de dois odres de galão de água, as bocas amarradas na cintura.

“Eu podia ter te ajudado”. Disse Yan, sem abrir seus olhos ou até mesmo virando suas orelhas para o irmão. ”E antes que pergunte, não tem ninguém perto por umas quatro milhas, mais ou menos.”

“Você sabe que eu posso anular o peso da água sem levantar qualquer suspeita.” Respondeu Amal, colocando a cesta no chão que continha um corte decente de carne, duas cenouras e uma batata. “A maioria do nosso dinheiro foi nesse pedaço de carne, o resto estava quase apodrecendo. Mas eu não posso culpa-los por tentar vender, apesar de tudo.”

“Eu posso sentir o cheiro, vai sair um belo jan-ouff!” Ele bufou quando o galão de água arremessado aterrissou no colo dele, abrindo seus olhos em surpresa bem na hora de ver Amal soltando a tira do outro odre de água do obro, como se pesasse nada e deixou cair no chão, fazendo um som alto de água.

Yan simplesmente escorregou o odre para o lado e se levantou, espreguiçando as costas com um baixo grunhido antes de achar seu próprio odre próximo à mochila dele. “Eu gastei praticamente uma hora tentando achar gravetos secos. Se você estivesse aqui, teria sido capaz de tirar a água de qualquer um e fazer um fogo facilmente em cinco minutos.”

Se aproximando do irmão, o lobo sacudiu o odre perto do rosto do híbrido, o qual simplesmente suspirou e segurou a base do odre, e com uma suave névoa gelada saindo da palma, a água ficou fria como se tivesse sido acabada de tirar do poço. “Assim como você poderia simplesmente esquentar o ar e queimar qualquer graveto que achasse. Levitar a água não é problema, então era mais fácil mandar você na frente para sondar o lugar novamente.”

Yan esvaziou o odre e sentou de volta, se sentando bem mais estirado e confortável que antes. “Estive aumentando o som daquele vilarejo por horas, no começo com cuidado para qualquer maldição vinda de lá, mas tudo que eu pude ouvir foi ghouls andando sem rumo. Nenhuma respiração, ronco, ou qualquer outra coisa. Já que nenhum ser vivo chegou perto de lá, eles vão ficar lá até que alguma coisa os atraia para fora e caçar.”

Amal confirmou com a cabeça, olhos na cenoura que segurava e descascava usando uma fina lâmina de gelo criada sobre a parte de baixo do seu dedão, movendo como se segurasse uma faca de verdade. “E já que o saco de banha não vai gastar nem uma moeda sequer com festividades para seu povo, as chances são que uma carruagem desavisada os atraia para fora pelo barulho dos cavalos e rodas. No fim, graças a ele o vilarejo está a salvo por tanto tempo.”

Com um grande bocejo, Yan colocou sua mochila no chão, achando o ponto mais macio da sua mochila para deitar sua cabeça, virando seu rosto para longe da fogueira. “vou tirar uma soneca, me acorde quando o jantar estiver pronto.”

Faz quanto tempo desde que escolhemos esta vida? Foi a pergunta que Amal se fez, se deixando sonhar acordado enquanto trabalhava, usando uma tigela que ele tirou da própria mochila para jogar os pedaços cortados de cenoura e batata, sentando com a tigela entre suas pernas enquanto que preparava automaticamente por experiência. Ele não precisava do fogo ou de uma colher para cozinhar, já que ele fazia a água ferver e misturar em segundos com sua pata aperta sobre a água. Não que eles tivessem muita escolha, com essas dádivas...

Ele e Yan nasceram e viveram suas breves infâncias numa pequena vila cujo nome foi perdido junto a vários outros lugares destruídos pelos monstros de Drácula. Eles viviam com os pais, uma irmã bebê com pouco mais de um ano e um novo membro ainda dentro da barriga da mãe raposa, quando foram atacados, ou melhor, dizimados em uma única noite, o que acabou sendo a única memória que Amal tem da família dele.

Por um golpe de sorte, a mãe deles estava se sentindo doente graças à gravidez dela, então os irmãos foram até o rio, um pouco fundo na floresta perto da casa buscar água, enquanto que o pai deles cuidava dela. Yan carregava um balde cheio de água enquanto Amal cuidava do odre por causa do tamanho dele, também ainda aprendendo como se mover pela floresta e achar o caminho dele até o rio. Mas quando retornaram, tudo que viram foi uma casa em chamas, e o corpo do pai, decapitado, estirado no chão.

Amal quase gritou e correu até a casa em chamas, mas Yan fechou o focinho do irmão com uma pata, e o arrastou de volta para a floresta até que estivessem longe o bastante para ninguém os escutar, porque ele já sabia que demoraria para acalmar o irmão, ainda se debatendo e desesperado para correr de volta até os pais.

“Eles se foram.” Yan disse, sequer tentando segurar suas próprias lágrimas que corriam pelas bochechas e suas linhas azuis, enquanto ele segurava as bochechas já úmidas de Amal com as patas, forçando o filhote menor a olhar dentro de seus olhos. “Papai tentou os salvar, mas ele não conseguiu. Se nós formos lá, não vamos sobreviver. O que podemos fazer, que Papai não conseguiu?”

Eram horas após a meia noite quando eles finalmente pararam de andar, descansando numa pequena caverna atrás de uma cachoeira que eles foram uma vez com seus pais, ambos chorando nos braços do outro até que caíram no sono, cansados demais para que nem o medo os mantivesse acordados, o rugido da água caindo abafando suas últimas despedidas à família deles. Sem mencionar o dia seguinte, que iria trazer uma grande quantidade de novas preocupações e medos a eles.

Duas crianças sem dinheiro ou parentes vivos para protegê-los não tinham lugar seguro no mundo então, temendo o abuso das pessoas e monstros constantemente atacando vilarejos, os irmãos decidiram ficar na floresta bem conhecida para a própria segurança. Afinal de contas, havia pessoas que viviam reclusas em florestas por toda a vida, mesmo que algumas delas morressem e ninguém desse falta, então se eles tomassem conta um do outro, ficaria tudo bem.

E então, dia após dia o tempo passou, Yan e Amal sobreviviam e permitiam que o pesar deles se arrastasse para fora da mente deles para se tornar uma fraca memória terrível, dividindo seus conhecimentos e descobertas toda manhã com suas vozes abafadas pela cachoeira, planejando todo dia o que iriam fazer, e não importasse o que fosse eles sempre concordavam em ficar um sobre o alcance da vista do outro.

Lentamente, um segredo começou a surgir entre eles, algo que eles nem estavam cientes nos primeiros meses. Por afinidade natural e crescente eficiência, alguns afazeres se tornaram exclusivos para apenas um deles por acordo: Amal era responsável por pescar, achar combustível para as fogueiras, cozinhar e rastrear outras fontes de água quando estavam muito longe da caverna, enquanto que Yan se destacava em rastreamento, caçada, achar frutas, subir árvores e acender o fogo.

Nenhum deles prestou muita atenção a isso, talvez eles apenas pensassem que fossem talentos individuais, mas foi apenas no meio de outono que a descoberta veio à tona: Yan havia recentemente cavado um buraco de uns trinta centímetros na terra para esconder a maior parte da luz da fogueira que seria acessa para cozinhar o jantar, assim que Amal pegasse peixes o bastantes para o dia usando uma primitiva, mas prática vareta com uma ponta afiada por eles.

Ambos usando calças sujas e rasgadas, Yan estava sentado perto do buraco, talhando uma nova colher usando uma pedra enquanto que observava Amal, os olhos focados na água corrente com alguns dos peixes de escamas prateadas passando por suas canelas expostas, sua ‘lança’ empunhada sobre seu ombro direito, pernas abertas e encurvadas para equilíbrio.

Nunca demorou muito para Amal pescar o bastante para o jantar, então foi casualmente que Yan desviou o olhar dele para a água cristalina, capaz de ver alguns de sua futura refeição cortando a água do raso rio, constantemente movendo com a corrente, algumas vezes rápido ao nadar adiante e algumas vezes apenas deixando a água leva-los. Ambos os filhotes encaravam ao mesmo tempo um peixe especialmente grande que deslizava lentamente até o alcance de Amal, que não moveu um centímetro além dos olhos acompanhando o peixe e esperando o momento exato.

Pernas firmes e paradas, uma rápida estocada reforçada pelo rápido virar do quadril, um som baixo de água sendo precisamente perfurada e um rápido salpico de água vindo do peixe se debatendo nos seus últimos segundos contra uma vareta de uma polegada empalada na sua lateral, tudo em questão de um segundo. Amal silenciosamente tirou o peixe de sua arma e o jogou na grama perto do irmão paralisado, boquiaberto e olhos arregalados para o pescador.

Aconteceu por um instante, mas Yan tinha absoluta certeza do que aconteceu, mesmo que ele não soubesse explicar o que foi: No exato instante antes do ataque de Amal, Yan notou que o peixe havia parado no mesmo lugar, apenas o bastante para ver ele imóvel em água corrente e até mesmo se debatendo brevemente, como se algo o espremesse no lugar. Yan tentou muitas e muitas vezes para ter certeza absoluta que isso não tinha como acontecer,
Não naturalmente, pelo menos.

Ainda com uma expressão de choque, ele lentamente se levantou para olhar melhor, desta vez dando toda a sua atenção, primeiro para o irmão, encarando nos olhos dele para rastrear qual seria o próximo algo, outro peixe suculento com escamas tão brilhantes quanto o anterior. Yan sequer se atreveu a piscar até que confirmou que alguma coisa invisível apertava o peixe no lugar para que Amal o pegasse com sucesso.

Yan congelou em terror, a jovem mente ainda traumatizada começou a disparar descontroladamente sobre possibilidades de o seu irmão estar possuído ou ter sido morto e substituído por um sósia, tudo isso enquanto Amal apenas continuava a trabalhar ignorante da expressão aterrorizada do irmão lentamente se tornar dolorosa pela decisão sinistra dele.

Se ele está morto ou além do meu alcance, então eu falhei em salvar a única coisa que me resta neste mundo. Eu irei falar com ele, e se ele não for mais meu irmão, então... Eu não me importo.

O resto do dia correu tranquilamente como sempre. Yan ainda estava severamente abalado pelos seus medos, mas já que eles raramente precisassem trabalhar juntos mais, e eles sempre guardavam as conversas para quando estivessem a salvo atrás da cachoeira, Amal continuou levando o dia como se nada tivesse acontecido, até que se retiraram.

Uma noite sem luar caiu lentamente sobre eles, fazendo a pequena caverna lentamente perder sua luz do sol difratada pela cachoeira e cair uma escuridão completa quando ambos os garotos vestiram suas túnicas para amenizar o frio e acharam suas camas improvisadas, feitas de folhas e pelo, por memória e tato. Amal alegremente rolou para o lado dele e descansou a cabeça num saco cheio de pelos que ele usava como travesseiro, enquanto Yan ficou de barriga para cima, tentando manter o coração dele num ritmo normal enquanto coletava qualquer pedaço de coragem que ele tinha para finalmente falar algo, mesmo que ele não soubesse o que.

“Seu imbecil!” A voz de Amal ressonou pela caverna, batendo com a cauda na barriga de Yan, fazendo o lobo pular de susto mesmo estando deitado, suor frio começou a correr por sob o pelo.
“O q-que?!” Ele gaguejou, respirando pesado sem nem mesmo perceber, de boca aberta.

“Eu disse ‘Boa noite, irmão, eu te amo’ duas vezes e você nem mesmo respondeu.” Amal reclamou “Você não trabalhou tanto assim para simplesmente deitar e de repente dormir”.

“Desculpe, estava distraído. Boa noite, Amal, eu também te amo.” Respondeu. Sua preparação jogada janela afora, a voz dele tremendo um pouco.

Como o irmão mais velho esperava, levou apenas alguns segundos para que ele ouvisse um preocupado ‘o que foi?’, e com um lento, profundo suspiro e um forte aperto das patas dele espremidas juntas contra o estômago, ele conseguiu perguntar.

“Desde quando você é capaz de fazer os peixes pararem de nadar?”

Yan chegou a ouvir o farfalhar da cama de Amal quando o filhote mais jovem estremeceu com a pergunta. Então não era acidental, ele fazia isso conscientemente, pensou Yan. Ele não sabia o que esperar, então tudo que ele podia fazer era simplesmente fechar seus olhos e se manter parado, esperando pela resposta de Amal, seja ela em palavras ou... não sabe, algo pior que palavras.

“D-desculpa...”

Aquelas palavras brotaram com medo e tristeza enquanto o filhote começou a tremer e se encolher, agarrando o próprio peito enquanto chorava. Yan, na verdade, já esperava que isso fosse acontecer (entre ser instantaneamente morto ou atacado por algum monstro), mas não ajudou em nada com o coração partido dele por fazer a única família viva dele chorar.

Ainda assim, ele se manteve em silêncio, e esperou enquanto as palavras de Amal ecoavam pela caverna.

“Eu n-não havia notado por um t-tempo...a-apenas parecia engraçado, eles fic-cando parado, e eu estava tão org-orgulhoso.” As palavras começaram a se perder entre soluços e ganidos, Yan quase conseguia ver a face do irmão encharcada com lágrimas, se isso fosse real. “E-eu apenas sabia onde a água estava. Eu me sentia perto dela, c-como se... fosse pa-parte de mim...”

Yan usou toda a sua força de vontade para segurar seu instinto de abraçar e acalmar seu irmão, mas uma última coisa tinha que ser perguntada, e quando todo o som na caverna se tornou o choro de Amal, ele perguntou.
“V-você ainda... ainda é... meu irmão... ou o qu-“

Ele rapidamente fechou os olhos e a boca quando ouviu um movimento rápido do lado dele, o corpo tenso e já esperando que fosse dilacerado ou algo assim, mas tudo que sentiu foi um corpo menor debruçando sobre ele, um par de braços trêmulos apertando o pescoço dele e pelo molhado sendo fortemente pressionado contra o pescoço.

“NÃO! EU SOU O SEU IRMÃO!” Amal gritou, deitando sobre o irmão desesperadamente por alguma compaixão e amor, terrivelmente assustado de ser afastado por Yan. “M-me desculpe! Eu não sei por que isso aconteceu, eu fiz nada de errado! Eu prometo nunca fazer nada disso novamente, mas por favor não me deixe sozinho!”

Aquilo foi demais para o lobo mais velho, ele deslizou as patas de baixo da barriga do irmão e envolveu os braços num abraço apertado, rolando para que ficassem lado a lado, Amal encurvado firmemente contra Yan enquanto que o lobo o segurava junto e passava a pata sobre a cabeça e costas do raposa-lobo, o acalmando com seu focinho largo perto da orelha do outro.

“Shh, tá tudo bem... eu nunca irei te deixar, eu prometo.” Seu próprio medo sendo superado pelo amor ao irmão, ele não conseguia suportar estar tão perto dele e deixa-lo sofrer sozinho, independente se ele era real ou um monstro. “Está tudo bem, não importa como você aprendeu a fazer isso, eu prometo. Você é um bom irmão, sempre vai ser.”

Amal negou violentamente com a cabeça, arranhando levemente seu nariz escorrendo contra a túnica do irmão. “N-não! É uma coisa ruim, eu sei que é! Gente normal não faz coisas como aquilo, apenas bruxas e demônios!” O filhote gritou, apertando o pescoço de Yan no abraço dele ao ponto de fazer o filhote lobo tossir, mas Amal não notou. “É aquela coisa de tentação para me fazer virar mal! Eu juro por Deus que eu nunca mais vou usar de novo!”

Um beliscão afiado fez o raposo-lobo ganir e parar de falar: Yan achou a orelha pontuda do irmão afundada contra a cabeça dele e a deu uma leve mordida, tentando fazer o irmão se recompor.

“Amal me escute. Nós somos filhotes vivendo na floresta, aonde adultos com cabanas morrem fazendo o mesmo, então qualquer coisa que nos ajude a sobreviver, é bem vindo.”

“Mas e se eu-“

“Eu não me importo de onde veio ou se é um pacto ou o que for. O que importa é que você use para o bem ou o mal. E até agora, você o usou para nos salvar.”

A resposta de Amal veio num sussurro, quase inaudível no silêncio da caverna se não fosse pela proximidade.

“Eu estou com medo... eu não quero me perder... eu não quero te machucar, irmão...”.

Se Yan ainda tivesse qualquer preocupação sobrando, elas foram expulsas de vez com aquele comentário: Era tão inocente, tão amoroso, tão... Amal, que ele não podia evitar sorrir e beijar a cabeça do irmão mais filhote. “Vamos fazer uma promessa, então. Você vai treinar e ficar melhor em usar o seu poder, mas você apenas irá usar para nos ajudar ou ajudar outros. Combinado?”

Os soluços de Amal começaram a se acalmar, junto com um confirmar com a cabeça e um resmungar positivo contra o peito do outro, lentamente relaxando, as orelhas voltando a ficar erguidas e a cauda desenrolando para repousar confortavelmente sobre o colo do irmão.

“Yan...”

“Hmm?”

“Porque nós não conseguimos ouvir mais a cachoeira?”

“Uh...”

Amal abriu um grande sorriso; aquela pergunta era bem engraçada depois de ter passado tantos anos. Eles descobriram em seguida que Yan havia abafado o som da cachoeira por acidente e, assim como Amal era conectado à água, Yan era conectado ao Ar. Garantindo novamente que eles iriam estar sempre juntos, eles começaram a treinar e explorar seus novos poderes abertamente, e dividiam tudo que conquistaram com eles. Não seria exagerado deduzir que eles apenas conseguiram sobreviver por três anos na floresta puramente por causa disso.

Depois disso, a história foi bem direta: Eles decidiram levar a promessa de “Apenas boas ações” a outro nível e se tornaram Caçadores de Monstros: Se o poder deles era sagrado, seria o melhor uso para eles. SE não, eles os usaram contra as próprias entidades obscuras que os amaldiçoaram com eles. Eles não podiam se chamar profissionais, certamente nunca iriam parecer como um graças ao comportamento e roupas, mas eles faziam o que podiam, fosse grande ou pequeno, para ajudar quem precisasse. Ao longo do caminho, eles também pegaram quaisquer habilidades que podiam através de livros e combates para melhor abater seus alvos.

Saindo da sua viagem pela memória, Amal deu uma rápida olhada ao redor, mas como ele já havia pressentido, nada maior que um esquilo havia se aproximado deles. Não era mais necessário prestar muita atenção: depois de todos esses anos, manter os sentidos apurados para qualquer um ou qualquer coisa se tornou uma segunda natureza.

Já a refeição, ela havia cozinhado um pouco demais, mas Yan não ia nem perceber. Ele pouco se importava, enquanto que conseguisse comer. Amal sabia disso.

Cuidadosamente colocando a tigela no chão, ele se levantou e agachou perto do seu irmão, o sacudindo levemente com um sorriso gentil.

“Vamos jantar.”

Os irmãos pararam lado a lado quando os primeiros raios do sol cortaram o céu, observando ao longe a entrada arruinada do vilarejo enquanto planejavam seus próximos passos. A respiração firme criavam pequenas nuvens de névoas em frente às narinas enquanto que a humidade da noite continuasse a permear o ar. O sol se ergueu por detrás dos irmãos, mantendo a visão deles nas próprias sombras que ficaram sob um iluminado e, outrora, maravilhoso arco de madeira escura esculpida, recebendo qualquer visitante em um forte senso de boas vindas.

Armas empunhadas e um odre de galão para cada um, amarrados sobre os ombros, eles se prepararam. O resto do equipamento estava bem escondido num buraco protegido com um casco de gelo de uma polegada, completando com uma boa camuflagem de gravetos e folhas.

“Ainda bem que o ar ainda está úmido, hm?” Disse Yan, quase inspirando profundamente para pegar os aromas matinais. Lembrando que estava relativamente perto de um exército podre de pessoas mortas, ele tossiu e ganiu.

Amal simplesmente virou os olhos, ignorando a pergunta, mas falando com um tom levemente emburrado. “Apenas garanta que você mantenha um bom ritmo. Vai ser bem incômodo se você ficar sem água antes de chegar lá.”

“Exatamente por isso que você pegou o dobro de água que havíamos planejado.” O lobo replicou, cuspindo no chão para ter algum falso senso de limpeza dentro da boca. “Não se preocupe, vai dar tudo certo.”

Confiante demais e cuidadoso demais, sem outra palavra para adicionar eles abriram os odres, mas fecharam o gargalo com uma pata, se posicionando para uma boa corrida assim que os primeiros raios de sol iluminassem o pilar esquerdo do arco arruinado. Quase instantaneamente, as duas vozes ecoaram no ar.

“Vai.”

Disparado através do arco quebrado, os gargalos foram soltos e água começou a correr até o chão. Se distanciando, eles corriam perto das extremidades da rua principal, apenas a alguns centímetros dos batentes das portas de onde uma vez foram lojas, hospedarias e casas. Aproximações sutis e silenciosas não era parte do plano. Em pouco tempo, o som de seus passos pesados quebrando pedaços de madeira e as pontas de metal nas botas chutando pedra e terra começou a atrair os ghouls mais próximos até eles, elevando o volume do seu réquiem triste e repugnante de eterna fome e morte.

Amal, como esperado, obteve o primeiro abate: Momentos após correrem através da entrada da cidade, ele notou uma figura cinzenta encurvada sobre a carcaça de um grande cão de caça que havia sido comido além do ponto de ressuscitar. Seu atacante tinha a pele e pelo apodrecido ao ponto que ambos imergiam num tom doentio de cinza escuro. Um único pedaço de rouba rasgado e cheio de babados enganchados no osso do quadril indicava a antiga natureza feminina do ghoul.

Ouvindo o caçador arqueiro se aproximar, a “fêmea” virou seu rosto para Amal, dentes frontais já quebrados e gastos de rasgar carne de osso. Uma cavidade ocular rachada perto da têmpora esquerda. Aonde uma vez havia a mão esquerda adornada com joias elegantes, agora sobrou apenas metade do cúbito que era usado como uma lâmina bruta para rasgar qualquer pedaço pequeno de carne do torso aberto do cão.

Antes que sequer pudesse abrir o maxilar, Amal moveu a pata direita à corda do arco e puxou, mas o que tocou a corda foi a base de uma flecha de gelo que rapidamente ganhou forma a partir da névoa matinal condensada a partir da base do projétil. No tempo que precisou para tencionar a corda, a flecha estava formada e engatilhada, a ponta afiada agora repousando bem sobre o indicador esquerdo erguido. 

Levou apenas um momento para mirar antes que a flecha gélida fosse solta, uma trilha de pó de gelo ligou o arco até a cavidade ocular vazia, o ghoul sendo brutalmente forçado para trás e desabando no chão de face para cima. Névoa gelada e pó de gelo vazavam de ambas as cavidades e da parte de trás da cabeça aonde a flecha havia trespassado.

Amal continuou a avançar, sua manipulação de água o permitindo anular todo o peso da água do odre, enquanto que Yan acompanhava num ritmo mais lento. Contudo, o irmão mais velho se manteve próximo pelo fato que não precisava parar e mirar. Um ghoul no meio da rua ouviu os passos mais pesados de Yan e pulou até ele, braços erguidos à frente e uma garganta aberta cuspindo sangue seco e saliva, apenas para ter sua cabeça aberta por uma lança.

O corte foi da axila do ghoul até sua cabeça sem mesmo que alcançasse a lâmina da lança. Os poderes de vento de Yan estendiam a inércia do ar criado pelo movimento da lâmina, apenas o bastante para partir o cérebro do ghoul em dois, com o lobo sequer perdendo sua velocidade ou fôlego.

Ambas as partes do monstro caíram pesadamente no chão sobre peças de metal e pedra, ressonando por todo o local, finalmente atraindo a maioria dos mortos-vivos escondidos e perdidos pelo vilarejo. Ambos os machos continuaram em frente, rapidamente abatendo qualquer inimigo que mostrasse qualquer tentativa de atrasá-los, enquanto que atrás deles uma crescente horda os seguia. As criaturas estravam rastejando e arrastando para fora de qualquer beco, buraco ou estrutura desmoronada que fosse anteriormente usado como abrigo.

Estocada, corte, tiro, quebra, golpe. Depois de tanto tempo nessa ‘carreira’, Amal e Yan já haviam aprendido a bloquear certos pensamentos ou informações para sua própria saúde mental: Tudo que eles estavam fazendo era mandar corpos reanimados de volta aos mortos, nada mais, nada menos. Independente do que os monstros estivessem vestindo, a forma física, até mesmo a altura e possível idade, eles eram nada das suas antigas vidas. ‘Livre as almas deles, senão eles irão aprisionar outras almas no seu inferno eterno’. Isso os mantinha seguindo em frente com qualquer coisa que tivessem que libertar ou matar, ou até mesmo com o que eles tinham que negar e fugir, não importando o quão doloroso ou abominável fosse o estado das vítimas, ou até o estado do alvo em si.

Chegando à fonte seca em frente à velha catedral antes do irmão, Amal rapidamente derrubou o odre quase vazio no chão e rapidamente abateu dois ghouls perto dele. Colocando o arco ao redor do ombro, ele se ajoelhou em frente à poça se formando perto do odre e colocou a palma aberta sobre a água, se concentrando. Yan chegou poucos segundos depois, arfando um pouco e tomando cuidado em conectar a água dele à poça antes de largar o odre dele. 

“Faça o que precisa, eu vou manter eles longe.” Disse ele, ficando atrás do irmão com lança em punhos, pronto para cortar qualquer coisa que se aproximasse por trás de Amal.

O plano deles era simples: com os dois rastros de água nas bordas da rua principal, Amal iria usar os poderes de água para criar o máximo de lâminas de gelo que conseguisse, as atirando para o meio da rua e fatiando em pedacinhos a carne e osso apodrecidos dos ghouls atraídos. Os monstros restantes seriam eliminados ‘diretamente’.

Amal fechou os olhos e focou com toda a sua vontade. A água sob a palma rapidamente congelou com uma camada de gelo que começou a crescer por ambas as trilhas que eles criaram. Incontáveis lâminas finas e afiadas de gelo se formaram sobre as trilhas de água, apontadas para a maior marcha de ghouls marchando até eles, vibrando com podre enquanto aguardam o comando de Amal.

Isso parece interessante, eles provavelmente irão conseguir... Vamos cansar eles um pouco, primeiro.

Lento mas eficientemente, sem que sequer os caçadores notassem, uma fraca energia verde escuro começou a vazar dos ghouls derrotados a partir do portão até uma milha longe dos irmãos ocupados. O que quer que toque; seja pedra, metal, carne ou sangue, era puxado junto da energia escura até que finalmente parasse sobre as lâminas de gelo que Amal preparava, cobrindo a maioria da armadilha de água com numerosos itens de diferentes tamanhos e formas.

A gigante massa de coisas que estavam envoltas em energia teve seu propósito mostrado pouco depois. Quando Amal rosnou e rapidamente ergueu sua pata num rápido movimento, incontáveis zumbidos cantaram pela rua principal como se uma imensa massa de pássaros alçasse voo. As lâminas de gelo são lançadas no chão contra o grupo de ghouls, mutilando eles em pedaços pequenos. A mistura de poeira e sangue seco tinge o sol da manhã com uma nuvem brilhando com pó de gelo que rapidamente desaparece, seguido de dúzias de baques quando os pedaços de corpos caem todos ao mesmo tempo.

“Merda...” Disse Amal depois de olhar para a bagunça, suor se formando sob o pelo na testa. “Alguma coisa deu errado. A maioria das minhas lâminas foram despedaçadas por algo muito duro.”

“O que?” Yan gritou surpreso, grunhindo quando desenterrava a lâmina dele da garganta de um ghoul com a cabeça partida ao meio verticalmente. “Suas lâminas de gelo cortam até mesmo paredes espessas de pedra! Quantas delas foram bloqueadas?”

“A maioria. Plano B?”

“Depende. Ainda está em condições, depois do seu truque de agora?”

“Heh, você teve que correr carregando mais que um galão de água, não me faça parecer fraco.”

“Tomando conta do meu irmão filhote, só isso.” Yan riu, arfando um pouco com suor já correndo por todo o pelo. “Não se esqueça. Se algo der errado, fuja.”

“Você não faria isso, se estivesse no meu lugar” Amal respondeu, e mesmo com seu tom sério, ele não escondeu seu sorriso aventureiro enquanto preparava outra flecha de gelo, mirando contra o grupo que lentamente os cercavam.

“Filhotinho esperto, esse meu irmão.” Yan abriu um grande sorriso por um segundo antes de voltar à seriedade. Abrindo a pequena ampola de água benta pendurada em seu pescoço, ele colocou os lábios a poucos centímetros da abertura e inspirou profundamente, névoa saindo da água e indo para seus pulmões. Então ele expirou a nuvem santificada por toda a lança, da base à ponta, cercando-a com um feitiço puro que circulou e protegeu a lâmina.

‘Lágrimas de Deus, carregadas pelo meu vento, purifique a maldição sobre meus oponentes’.

Sem trocar palavras de estratégia ou tática, ambos ficaram a poucos passos a um do outro, de costas, encarando os mortos vivos lentamente os cercando num círculo bizarro ao redor da fonte. Eles esperaram um minuto, até que a densa nuvem lentamente cobrisse o sol, criando uma densa sombra sobre eles e destacando os agora visíveis brilhos vermelho demoníacos emanando dos olhos dos ghouls. Com esse brilho, era possível ver como focavam os irmãos como suas próximas presas para rasgar carne do osso, qualquer súplica por vida e misericórdia que poderiam em breve ser ditos, caindo em ouvidos surdos. 

Mas não desta vez...

“Vai.”

Corrida;

Tiro;

Congelamento;

Morte;

Corte;

Sangue;

Morte;

Virar;

Uma valsa sangrenta começou, orquestrada por almas atormentadas contra aço, gelo, vento e encantamentos sagrados, guiados em um ritmo perfeito pelos irmãos que moviam ao redor e por um ao outro, focando em abater o máximo de inimigos naquele círculo que encolhia lentamente.

Amal identificava e abatia ghouls excessivamente rápidos com precisão, enquanto que Yan usava grandes golpes circulares para cortar o maior número de ghouls lentos que ele podia em um golpe. Flechas gélidas e cortes de ar tiravam pelos um do outro quando os últimos monstros os pressionaram ao ponto de quase se encostarem os, forçando a usar a inércia para bater o mais forte que podiam, mesmo que fosse com chutes ou pauladas para mantê-los distantes.

Era difícil medir quanto tempo havia passado até que o último morto vivo rastejante parasse de se mover, uma bota pesada pressionando a parte de trás da cabeça para desenterrar a lâmina do crânio. Amal e Yan estavam ofegantes, corpos cobertos em suor com pontos nojentos de sangue seco.

“Quantos... Você matou?” Perguntou Yan, achando um ponto na fonte para se sentar, que não estava muito sujo ou destruído. Ele largou os cotovelos sobre os joelhos e deixou sua cabeça pendendo entre os ombros, língua para fora em fadiga. A lança estava apoiada contra seu ombro.

“Quem... conta essas... coisas?” Foi a resposta do irmão, arco ao redor do pescoço enquanto ele andava tão sem vida quanto um ghoul até o lobo. Mais largando o peso no chão do que sentando de fato ao lado do lobo, ele esticou as pernas e relaxou as costas contra o assento de Yan, descansando a cabeça na coxa do outro.

“Eu conto... mas meio que... perdi a conta...” Ele riu sem fôlego, uma pata caindo sobre a cabeça de Amal e o dando uma gentil afagada. “Você foi... incrível, irmão...”.

Amal devolveu o riso fraco junto de um carinhoso tapa na batata da perna de Yan, olhos se fechando enquanto arfava e tentava recuperar as energias, aos poucos voltando a respirar normal.

“Vamos... deixar a soneca para depois.” Yan continuou depois de um minuto com uma voz cansada, mas firme, lentamente levantando e deixando o irmão sem o travesseiro. “Vamos voltar e comer, nós podemos conferir o lugar mais tarde.”

“Mmhm...” Foi a resposta que Amal deu enquanto Yan começou a andar para fora dos destroços da fonte em direção a rua principal, tendo certa dificuldade para evitar pisar nos pedaços de corpos e sangue. Foi apenas depois de uma dúzia de passos que ele percebeu que Amal não estava o seguindo, pois não escutou nenhum passo ou movimento.

Se virando para ver o irmão, Yan mal teve tempo de sequer abrir a boca.

Uma flecha gélida voou direto para a cabeça dele, mal o dando tempo para registrar o que era. O corpo desviou por reflexo, se jogando no chão de lado, olhos arregalados em choque.

Na fonte, ele podia ver Amal de pé ainda com o arco apontado para ele junto de uma expressão totalmente neutra, a corda ainda vibrando pelo disparo que havia acabado de fazer contra o próprio sangue. Atrás dele, uma figura vestindo um longo capuz roxo escuro flutuava sobre o pilar central destruído da fonte, uma energia verde escura saindo de suas mãos e cobrindo Amal.

“Reflexos incríveis, mesmo que seu irmão tenha levado mais tempo que o esperado para disparar. Parece que mesmo exausto ele ainda tem energia mental para resistir um pouco.”

Aquela voz parecia ecoar de dentro da própria mente de Yan para fora de seus ouvidos, o que já era desconfortável o bastante sem o tom de voz grave e misteriosa, mandando arrepios por todo o pelo branco e azul. O lobo assistiu enquanto o irmão andava até ele, as pernas pareciam falhar em manter o próprio peso como se estivessem sendo forçadas a se mover além do limite.

“Que habilidades maravilhosas correm em suas veias, e vocês dois sequer imaginam de onde vieram... Ah, é claro que posso ler a mente do seu irmão, as defesas dele ficando mais fracas a cada segundo que passa graças à longa batalha.”

Yan teve pouco tempo para absorver a situação: Não só aquela coisa estava controlando o irmão dele, mas também as memórias de Amal estavam sendo invadidas, significando que era apenas uma questão de tempo antes que ele soubesse tudo que Yan poderia fazer para salvar o irmão em termos de táticas e habilidades. O lobo também mal teve tempo para pensar: assim que Amal cruzou a olha de corpos, ele voltou a atirar suas flechas contra o irmão. Mesmo que a mira fosse pior do que o usual, era o bastante para mandar o lobo correndo até becos e casas em busca de cobertura.

“É mais difícil do que eu esperava simplesmente mandar ele te matar, mesmo com a mente dele quase inconsciente... Instintos de amor e compaixão são bem profundos, isso é muito interessante. Vocês dois não estão nem perto de serem fortes quanto o meu alvo real, mas irão servir como um experimento.”

Enquanto que a voz continuava invadindo a mente dele, Yan se manteve sempre desviando dos ataques de Amal. As flechas dele estavam mais pesadas e fortes do que aquelas usadas contra os ghouls, então a maioria das coberturas que Yan achava não eram fortes o bastante para aguentar os ataques. Madeira, aço e até pedra, sucumbiam com cada tiro. Toda vez que ele se movia, ele conseguia dar uma olhada na situação do irmão e em como o corpo dele começava a mostrar sinais de colapso, como as patas trêmulas, olhos avermelhados e respiração pesada.

Se ele não fizesse algo depressa, Amal iria morrer de exaustão.

Yan tinha certeza que ele não poderia resistir ao controle mental daquela coisa, se ele chegasse a perder Amal. A mente e o corpo dele iriam ficar sem energia assim como o irmão estava.

“Pensa, caramba... quebre a ligação!” Yan resmungou para si depois de rapidamente pular por uma janela aberta e se esconder atrás do balcão do açougue, bem na hora que uma das flechas abriu um buraco na parede oposta ao balcão. “Eu não posso atacar ele; ele irá usar Amal como escudo, isso se ele não me acertar primeiro.”

PENSE!

Yan se encolheu quando outra saraivada de flechas invadiu o local, o som de gelo raspando no metal fez as orelhas dele abaixarem contra a cabeça. Olhando acima, ele pode ver uma das facas de açougue havia sido empalada com uma flecha, mas essa não foi capaz de atravessar a parede: Ela parecia menor e mais leve que as outras.

“É isso!”

Ele havia apenas uma chance e seria bem complicado, pois não havia como saber por quanto tempo Amal resistiria nas condições atuais. Pegando todas as suas ampolas sagradas, Yan pulou do balcão bem quando outra chuva de flechas perfurou o antigo esconderijo. Yan rapidamente estourou todas as ampolas no chão, e usando seu poder de vento junto de certa experiência, fez com que a água benta se transformasse numa névoa que o seguiu quando ele correu para fora do açougue e deparou com Amal.

“Desculpe-me!” Ele gritou, movendo a pata como se estivesse arremessando uma pedra pesada contra Amal, o gesto mandando um tufão de vento e névoa contra o híbrido, ao mesmo tempo em que uma flecha foi atirada na direção do peito de Yan. A força do vento foi o bastante para, não só soprar a flecha leve para longe do alvo, mas também mandar o arqueiro voando de volta para a fonte. Amal pousou brutalmente no chão, rolando e parando dolorosamente contra a peça central sobre a qual o ser encapuzado flutuava. A criatura apenas deu um leve riso.

“Tentando nocautear seu irmão? Infelizmente, para você, ele não irá parar mesmo que você quebre algumas costelas na tentativa. Ele não vai parar até que a mente ou o corpo cesse de funcionar completamente... Mas parece que você já sabe disso.”

O comentário veio quando o ser viu Yan de pé, a lança firme em sua pata direita e erguida sobre o ombro em uma posição de arremesso, os olhos fixados em Amal. Ambos estavam sem fôlego novamente e Amal teve grande dificuldade para se levantar e erguer o arco novamente, o corpo todo tremia visivelmente mesmo daquela distância. A vista de Yan não era boa o bastante para ler a expressão facial de Amal a metros de distância, mas não era nisso que ele estava focando.
“Por favor, funcione... Por favor, acorde... Eu não quero ter que fazer isso...” Ele rezou.

Amal lentamente puxou a corda do arco mais uma vez enquanto outra flecha congelada se formou na ponta dos dedos, agora era tão pesada e mortal quanto às primeiras. A atmosfera seca que ele havia causado por atirar sem se mover agora estava reabastecida pela névoa sagrada o cercando.

Esse seria o último tiro, de um jeito ou de outro: Yan estava cansado demais para desviar ou bloquear a flecha a tempo, e com a memória muscular de Amal sobre como Yan desviaria do tiro, essa era a última esperança deles.

A não ser que...

Ele pudesse purificar o irmão durante esse eterno segundo no qual Amal mirava contra o irmão.

Amal arfou, rapidamente.

Esse era o sinal, durando um instante.

Era tudo que Yan precisava.

“O que-?!”

Yan arremessou a lança contra o ser usando seu controle do vento. A arma dele voou tão rápido quando o tiro de uma besta, em direção ao peito da criatura encapuzada, mas aquilo foi capaz de desviar bem a tempo, a capa rasgando onde a lâmina passou. Contudo, o objetivo de Yan não era acertá-lo...

Era distraí-lo.

Antes que o mago negro sequer notasse, Amal rapidamente se virou e, usando o resto de suas energias, disparou sua flecha sagrada bem no ombro do seu captor, quebrando completamente o controle dele e arrancando um grito grave antes que subitamente desaparecesse num estouro de luz, levando a flecha gélida junto com ele.

Tudo que havia sobrado foi uma gota de sangue que, logo após ter atingido o chão, se tornou escura e morta como o sangue dos ghouls que havia controlado, sem mais a presença dele.

E com isso, Amal caiu no chão. Yan correu desengonçadamente com suas pernas exaustas até ele, quase caindo graças a um pedaço de cabeça de ghoul antes de se agachar perto do irmão, o virando de rosto para cima e o segurando em seus braços.

“Ei, irmão, acorde. Fale comigo.” Yan implorou, com o braço esquerdo segurando os ombros de Amal perto de si enquanto que a trêmula pata direita passava pelo rosto e pescoço de Amal, conferindo o pulso, temperatura, qualquer coisa que ele pudesse pensar na hora. “Vai, Amal, eu não demorei tanto assim, você é forte demais para essas coisas!”

O lobo só calou a boca quando os olhos de Amal se apertaram e as orelhas afundaram contra a cabeça, um grunhido baixo veio do raposa-lobo. “Ouch...”

“E-ei, irmãozinho. Estou tão feliz que esteja bem!” Disse Yan, envolvendo os braços ao redor e o abraçando forte contra o peito.

“Minhas costas... aquilo doeu...” Amal resmungou sobre o tufão do irmão, fraco demais até mesmo para evitar o aperto que estava recebendo. “Devia ter... atirado em você...”.

“Haha, eu também te amo.” O lobo respondeu com uma afocinhada agitada contra as orelhas e testa do irmão. “O quão ruim você está? Consegue andar?”

Yan sentiu uma leve pressão do focinho em movimento de Amal contra o peito, aparentando ser um gesto negativo com a cabeça. “Todo dolorido... cansado e... fraco. Parece que... corri o... dia todo.”

“Certo, só fique ai, eu vou pegar minha lança e podemos ir.” Ele disse em reflexo, e Amal estava cansado demais para reclamar sobre a coisa imbecil que acabou de ouvir. Yan rapidamente achou a lança dele presa firmemente contra a porta de madeira grossa da catedral, tinha uns dez centímetros de espessura e a ponta da lança havia passado uns três centímetros pelo outro lado. Se a porta estivesse em melhor estado, ele teria acabado com a lâmina de vez.

Depois de um minuto ou dois de resmungos, torcidas e um bom chute, Yan retornou ao irmão. “Desculpa pela demora. Vamos te tirar daqui, aguenta aí.” Ele disse enquanto tirava o manto para improvisar um assento razoável no meio da haste da lança. Colocando Amal sobre as costas provou ser bem doloroso para o irmão mais novo, dado os numerosos grunhidos e palavrões, mas em pouco tempo Yan o estava carregando de cavalinho, quase todo o peso dele sobre o ‘assento’. As patas de Yan seguravam a lança às costas dele e com o corpo curvado para frente, assim Amal não tinha que se esforçar para se segurar.

“Suas costas... você vai estar acabado, amanhã...” Sussurrou Amal, o queixo dele sobre o ombro direito do irmão, enquanto que o esquerdo era usado para colocar o arco ao redor do peito do lobo. A cabeça dele recostou contra a do irmão, gentilmente roçando o focinho contra o queixo peludo do outro.

“Não tem problema, você vai estar bem pior amanhã. E não é como se fosse a primeira vez que te carreguei.” Respondeu Yan, logo começando a ficar ofegante, mas continuando num passo lento em direção ao acampamento deles.

Eles andaram em silêncio por um tempo. O sol havia passado do meio dia e agora eles seguiam as próprias sombras. Subitamente, um fraco soluço veio de Amal, e um ganido inaudível.

“Ei ei... qual o problema?” Perguntou o irmão, carinhosamente dando uma leve cabeçada contra o irmão. “Nós fizemos o nosso trabalho, e com mérito, e você foi incrível. Fique feliz.”

Amal soluçou fracamente contra as costas e pescoço do irmão, molhando o pelo dele com lágrimas. “Doeu tanto... atirar em você... eu estava aterrorizado que eu... pudesse acabar te matando.”

“Não diga isso, você estava sendo controlado. E eu conseguia ver que estava resistindo, sua mira é bem melhor do que aquilo, mesmo quando está bêbado.”

“Ainda assim... foi arriscado demais. E se a água benta... não funcionasse?”

Yan não hesitou em responder. “Eu teria te matado com aquele arremesso da minha lança.”

E antes que Amal pudesse responder, ele continuou.

“Eu iria te libertar daquele controle, e então eu mataria ele, bem lentamente. Eu não sei se teria funcionado, mas... Eu prefiro acabar com seu sofrimento eu mesmo, do que assistir você morrer em dor porque sou fraco.”

Aquilo era algo chocante de se ouvir, mas o irmão mais novo entendeu o que ele quis dizer. Ele sentiu o horror de arriscar a vida do irmão por causa da sua própria fraqueza. Ele não teria odiado Yan se aquilo viesse a acontecer.
Ele ficaria aliviado por não ter matado o próprio irmão.

“Precisamos... ficar mais fortes...” Amal disse, após seus soluços acalmarem. “Isso nunca... pode acontecer novamente.”

“Mmhm, sim. Contudo, vamos descansar por hora Nós temos um belo e pesado saco de ouro nos esperando. Esse foi um trabalho dos grandes, podemos até mesmo pedir por um aumento.”

“Eu duvido que... aquele cara irá pagar facilmente. E se ele... pedir provas que nós... acabamos com todos”.

Yan gargalhou um pouco e virou a cabeça de leve, olhando dentro dos olhos do irmão com um sorriso confiante. “Nós vamos falar para ele comprar algumas bolas para os soldados dele, para que eles possam conferir por conta própria.”
Amal riu e aconchegou a bochecha contra o pescoço do irmão, fechando os olhos e aproveitando o caloroso contato de afeto entre os irmãos junto de um trabalho bem feito. Eles irão ficar melhores e mais fortes, e irão empurrar um ao outro adiante.

E o que quer que eles enfrentem, eles irão enfrentar juntos, para sempre.

FIM

“… Yan?”

“Sim?”

“Estou com fome… ainda temos alguma comida de ontem?”

“... merda, eu comi tudo...”.

“... de novo?” *Suspiro*